Andava com tanta tralha que ninguém se
oferecia para ajudar a carregar por medo de não conseguir. A menina
dos olhos castanhos tinha por volta de seus 17 anos. Tão
despreocupada, sem neurose por beleza não se importava em manter os
cabelos penteados. Tão tímida essa garota me intrigava diariamente.
Eu nunca fui do tipo de garoto que repara em meninas tímidas. Aliás
as tímidas nunca fizeram meu tipo mas havia algo que me chamava
atenção na garota dos olhos cansados. Passei a repará – la todos
os dias no intervalo. Ela sempre estava sozinha mas isso não
significava que ela não tinha amigos. A garota sentava – se todos
os dias em um banco pintado de azul no patio arregaçava as mangas do
agasalho e ficava encarando o nada com fones de ouvido e as vezes um
livro ou um caderno nas mãos. O sol em seu rosto todas as manhãs
parecia essencial para aquela garota. Ah, quando chovia ela sentava –
se na arquibancada da quadra poliesportiva e continuava fitando o
nada que agora era chuva. Se algum de seus colegas chegasse e
sentasse junto a ela no banco ela dava uma atenção que me intrigava
mais ainda. Mostrava total interesse no assunto e quando a companhia
ia embora ela voltava a fitar o vento. Eu também nunca fui do tipo
de garoto que tem um lugar para ficar, sempre estava por aí andando
e conversando com pessoas menos interessantes que a garota do banco
azul. Eu nunca deixei de repará – la desde o dia que percebi que
ela sempre estava ali, ao menos por um minuto eu teria que passar
perto e repará – la, mas nunca deixei que nenhum dos meus amigos
percebesse que eu olhava para ela todos os dias. Os meses se passavam
e ver aquela garota era essencial para mim. Não sei que doença foi
essa que meu cérebro desenvolveu que se eu não a visse passava o
dia desanimado. Acho que já estava ficando louco ou neurótico. Que
estupidez a minha, eu nunca fui um cara tímido podia muito bem
chegar nela dizer um “oi” e perguntar seu nome. Geralmente não
era necessário perguntar o nome das pessoas no meu colégio pois as
camisetas tinham o nome bordado. O que me intrigava mais ainda,
fazendo frio ou calor a garota sempre estava de agasalho.
Passaram – se seis meses e a garota
continuava ali com sua mesmice. Eu sempre notava algo diferente
quando havia, como aquela corrente que ela apareceu usando em uma
segunda-feira. Outro dia notei que ela estava usando óculos, achei
que ela ficou bonita usando óculos. Mas foi só por alguns dias
porque depois acho que ela começou a usar lente de contato pois
nunca mais a vi usando óculos. Em uma quarta – feira esqueci de
disfarçar e me perdi nos olhos cor de mel da garota. De repente a
garota sem nome encontrou meu olhar no dela e sua reação foi
perturbadora. Ela levantou – se rapidamente e vi suas bochechas
enrubescerem em um rosado tão angelical que me fez sonhar à noite.
Sonho perturbador, por que eu não conseguia parar de reparar aquela
garota? Por que eu não tinha coragem de dizer um “oi”? Eu nunca
fui um cara tímido. Depois desse episódio não vi a garota por
quase um mês. Senti uma preocupação arrasadora por àquela
desconhecida. Resolvi contar tudo a minha melhor amiga que era meio
metida a psicologa, uma maluca completa na verdade. Minha amiga disse
que eu sofria de amor platônico. No começo eu não quis aceitar mas
depois de algumas pesquisas pela internet aceitei o que eu sentia por
ela. Uma loucura, geralmente são garotas que se apaixonam
platonicamente.
Em uma tarde de sexta – feira, dia de
aula no auditório deitei – me no chão próximo à porta e fiquei
pensando em formas de atrair a garota até mim. Quando virei para ver
o movimento no pátio dei com o olhar na garota que estava sentada de
frente para mim. Levei um susto e percebi um meio sorriso naquele
rosto de olhar cansado. A cada dia cada vez mais linda e seu olhar
cada vez mais cansado e distante.
Resolvi colocar minha melhor amiga em
ação. Pedi a ela para procurar a garota e tentar aproximar – se
dela. No começo ela não aceitou a ideia mas depois lembrei – a
que ela só tinha passado em matemática porque a ajudei. Foi tão
inútil a ajuda da minha amiga. A garota dos olhos cansados tão
indecifrável ignorou minha melhor amiga totalmente todas as vezes
que ela tentou se aproximar. Eu estava cada vez mais triste por não
conseguir me aproximar da garota e tentava tapar o sol com a peneira
beijando todas as moças que quisessem um beijo meu. Estupidez a
minha, não dava para trocar sorvete por jiló. Que comparação
idiota, uma moça tão perturbadora e intrigante com toda certeza era
melhor que minha sobremesa favorita.
Em uma terça-feira de inverno chequei
meu e-mail para ver se havia algo novo sobre o jogo que eu jogava.
Havia um e-mail anônimo, achei estranho por não estar no lixo
eletrônico pois geralmente e-mail anônimos são spans. Lá estava a
coisa mais inesperada da minha vida. Um e-mail da garota dos olhos
cansados.
Não que eu não ache você
interessante, mas é só que eu não estou interessada em conhecer
você. Não quero que saiba meu nome nem mande sua amiga bisbilhotar
minha vida. Eu sei que você me vigia e procura a cada intervalo uma
chance de falar comigo. Não sei qual o seu problema, pois há tantas
garotas interessantes e você perdendo seu tempo percebendo uma
garota como eu. Não pense que foi sua melhor amiga que mandou esse
e-mail para você parar de ficar com essa neurose e nem queira saber
como eu descobri seu e-mail. Só digo que foi muito difícil. Talvez
nunca mais você me veja, pois mudarei de cidade esse fim de semana.
Um até logo! De A...
Droga ! Como ela
pode fazer isso comigo ? Está tão na cara que eu reparo nela todos
os dias ? Lembrei – me da voz de minha amiga “todos os dias você
está com mais cara de retardado que no dia anterior reparando essa
garota, todo mundo já percebeu mas ninguém tem coragem de se meter
com você por causa da sua fama de ter batido naquele garoto que se
meteu com meu irmão, sorte a sua porque até eu zoaria você em
publico se não fosse constrangedor o bastante para você nunca mais
falar comigo (risos)”
Realmente,
nunca mais a vi mas aquela garota nunca saiu do meu pensamento.
Aquele olhar cansado, talvez entristecido e muito indecifrável nunca
saiu da minha memória. Espero um dia encontrá – la e amá – la
como a amei tão desconhecidamente, como nunca amei ninguém. Um amor
de alma, talvez muito mais verdadeiro do que platônico. Nunca
entenderei aquele e-mail e nunca a entenderei, afinal é preciso
conhecer muito mais que um olhar cansado para entender uma pessoa mas
é preciso apenas ver com os olhos da alma para amá – la. Se A for
a inicial do nome dela como suponho que seja, nada terá sido tão
perfeito quando viver esse Amor desconhecido, sofredor mas valioso.