4 de julho de 2014

As (entre)linhas e a ausência delas

Ando em constante luta entre razão e seja lá o que for o resto que faz doer órgãos que nunca imaginei que saudáveis poderiam ressignificar a dor. Falta ar mesmo com os pulmões cheios, dói o coração, o estômago parece estar cheio de intrusas borboletas lutando para subirem pelo esôfago e saírem pela boca. O coração ininterrupto segue após uma "parada cardíaca cerebral", batendo na caixa torácica e querendo sair pela boca carregado pelas borboletas. O por que disso tudo?  Porque simplesmente eu deixei as entrelinhas falarem por mim. Ou a ausência delas falarem por si. A boca seca a fala sessa e as linhas enchem se de frases sem contexto. E foi mesmo fora de contexto que o sentimento surgiu. Não havia motivos para estar ali. Foi numa manhã de quinta-feira feira quando eu o vi na padaria e ele me perguntou se eu gostava de pão de queijo. Eu disse que sim e ele disse que minhas bochechas eram fofas como dois pães de queijo.  Uma piada infeliz que me deixou desconcertada porque eu achei que meu amigo de infância estava curtindo comigo enquanto já tínhamos conversado sobre piadinhas. Mas relevei  porque parte de mim achou fofo ter uma cara de pão de queijo. Eu poderia ter escolhido achar a piada dele ofensiva mas deixei a observação de lado. Mas não foi ali que o sentimento surgiu? Nunca se sabe. 
A paixão não tem data ou hora marcada, ela entra sem convite e quando percebemos ela está ali num cantinho do peito fazendo morada há muito tempo. Mas foi numa tarde de terça-feira que talvez ela tenha pedido um espacinho dentro do meu peito.  Naquela tarde ensolarada em que ele me chamou para andar de bicicleta no calçadão e eu aceitei com um sim cabisbaixo que pareceu mau gosto. Aquela tarde em que dar um passeio para desestressar foi apenas uma desculpa para me tocar com suas mãos calorosas. Mas foi ali naquele olhar caloroso e aflito que o sentimento nasceu? Foi naquela amizade inocentemente infantil? Mas a infância não é de todo inocente. Lembro me que nós éramos namoradinhos no primário. Dávamos as mãos como outrora recente e parecia que nunca teria fim. Seria ali onde a sementinha do sentimento nasceu? Nada podemos afirmar, porque paixão é vida dentro da gente.  Uma vida viva e independente. E aquele olhar caloroso que se transformou em um beijo apaixonado, que tocou uma parte de mim que eu não sabia que existia, a parte que a mim não pertence. A parte que hoje a mim incomoda. 
Eu com os olhos arregalados e o coração a bater a mil por segundo perguntei lhe aflita o que era aquilo. Ele com o mais ingênuo sorriso disse com sarcasmo como ainda quase o ouço "ora, isso se chama beijo. Você gostou?",  bati com uma força banal no ombro dele dizendo "explique me o que foi isso ou..."   e ele interrompendo me "se você não gostou pode me devolver meu beijo". Naquele momento eu entendi ou quase compreendi quando eu o perguntava como as garotas caiam no papo dele. De cabeça baixa relembrei de quando ele chorou deitado com a cabeça nas minhas pernas pela garota que ele tanto dizia amar mas que o traiu com o primo dele. Não era a paixão pela ex namorada ainda recente? E ele a me cutucar dizendo "quando é que vamos te desencalhar". Um fluxo de memórias me fez perder a noção do espaço ao meu redor. Ele acariciou meu rosto dizendo "perdoe me, acho que eu não deveria ter te beijado". Em lágrimas olhei o "mas por que beijou?" , eu estava confusa não sabia se foi ali que o sentimento apareceu ou se ele já existia e tinha apenas acabado de germinar a sementinha da paixão. Minha vontade era apenas de abraça lo como nunca antes, agora sem nunca mais soltar. A ausência de contexto logo transformou nosso relacionamento lindo em brigas e feridas que ainda estão abertas. Ninguém o conhece mais que eu, nem mesmo a mãe dele e igualmente ninguém conhece me mais que ele. Esse saber excessivo que levou a tantas brigas. O meu mau gênio e a mania de querer saber demais, minhas linhas tortas não andavam em paralelo com as linhas dele. Agora nossas vidas não estavam sendo apenas vidas cruzadas. O espírito aventureiro dele e o meu medroso jeito de me arriscar sempre com os dois pés atrás fez um emaranhado de linhas. Em meio a tantas brigas e momentos de infinitos amores eu buscava o fio da meada para desenrolar aquela situação muitas vezes agradável embora desgastante. 
Não encontrei o fio da meada mas descobri que a meada pode ser cortada. A tesoura que encontrei foi o tempo. Terminei com aquilo mas ainda sou refém dos sentimentos. Ele ainda me considera sua confidente e eu não confidencio a ele que o amo apesar dos pesares. Não há como saber se ele realmente superou, afinal ele sempre foi um bom mentiroso. Foi com ele que eu aprendi. As lembranças me levam a pensar que foi ali entre as linhas do pôr do sol, entre as linhas do calçadão,  entre as fibras do coco no refresco da água em minha boca seca sem palavras, entre o limiar dos olhares que nossas vidas se emaranharam. Entre as linhas ou na ausência delas. Porque paixão é isso mesmo, é uma bagunça de fios sem contexto em que às vezes o melhor a fazer é cortar mesmo quando a tesoura deixa uma parte do outro na gente. A parte que a nós não cabe mas às vezes pertence. Uma ausência com presença que se coloca no lugar como a planta dentro da semente. Sabendo que ela não cabe mas ali mas só por existir é seu dever fingir ausência.